E naquele dia claro e anónimo como nenhum outro
o mundo acordou e veio ao nosso encontro.
Naquele dia, não abrimos fogo uns sobre os outros,
porque era o desejado dia de todos os encontros.
Houve quem quisesse que as balas falassem,
mas quisemos que as armas se calassem.
Entre os que, anonimamente, ao medo desobedeciam,
outros havia que, voluntariamente, sorrindo, agiam
para a construção do dia claro, esse que diziam
ter vindo de longe, por ser tanto o que nos unia:
a vontade de viver, o cansaço de morrer e a alegria.
Há um que grita uma e outra vez: ‘Mata!’, ‘Atira!’, ‘Dispara!’…
Outro lhe responde num refrão exausto: ‘Não!’, ‘Basta!’,
‘Pára!’
E chegamos até este dia, até esta praça, até esta ampla
arena
na voz acordada de
uma canção esquecida, Grândola Vila
Morena
tão anónima como aqueles tantos que empunharam o canto,
e de tão poucos fomos imensos, soldados, capitães e um cabo
e tanto,
empurrando a noite longa até às portas de uma nova madrugada
em que floriram cravos nas armas e no rosto da rapaziada.
Por um dia, por uma vez, a liberdade livre teve cor e cheiro,
e os sonhos tiveram, em plena rua, sua comovida festa por
inteiro.
Ao cabo
apontador José Alves Costa, que na manhã de 25 de Abril de 1974 se recusou a
disparar sobre a coluna de Salgueiro Maia.
O poema nasceu desta história.
Sem comentários:
Enviar um comentário