XXVI - Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta,
Às vezes, em dias de luz perfeita e exacta,
Em que as coisas têm toda a realidade que
podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Porque sequer atribuo eu
Beleza às coisas.
Uma flor acaso tem beleza?
Tem beleza acaso um fruto?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é o nome de qualquer coisa que não
existe
Que eu dou às coisas em troca do agrado que
me dão.
Não significa nada.
Então porque digo eu das coisas: são belas?
Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos
homens
Perante as coisas,
Perante as coisas que simplesmente existem.
Que difícil ser próprio e não ver senão o
visível!
11-3-1914
“O Guardador de Rebanhos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Fernando
Pessoa.
1 comentário:
As palavras dadas às coisa, tomam sentido, se as repetirmos inúmeras vezes.
As palavras mastigam-se, e na memória, o conceito toma forma.
bjs
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