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sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Devia morrer-se de outra maneira. - José Gomes Ferreira



 Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
 Ou em nuvens.
 Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
 a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
 os amigos mais íntimos com um cartão de convite
 para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
 a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
 às 9 horas. Traje de passeio".
 E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
 escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
 a despedida.
 Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
 "Adeus! Adeus!"
 E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
 numa lassidão de arrancar raízes...
 (primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
 a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
 em fumo... tão leve... tão sutil... tão pòlen...
 como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
 ainda tocada por um vento de lábios azuis...
 
 [José Gomes Ferreira]

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